quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Croniquetas do António Camacho

DIFICULDADES DE QUEM ERA MOURO

Escrevi, na minha última croniqueta, que os habitantes de Chaves ficavam sempre de pé atrás com estranhos, talvez devido à rotina do contrabando.

Também nós calcorreámos os trilhos e caminhos que os contrabandistas usavam para transportar os seus enormes fardos.

Surpresa? Só para quem não viveu aquela época e não nos conhecesse, mas isso fica para outra memória.

No B. Caç. 10 não havia fins-de-semana prolongados, ou seja, a instrução começava bem cedo à segunda-feira e ia até sábado ao meio-dia.

Havia uma tolerância, semana sim, semana não, para que cada um de nós pudesse sair à sexta-feira após o toque de ordem, mas tinha que se deixar o serviço assegurado, quer para a instrução da manhã de sábado, quer para as escalas de serviço (oficial de prevenção, de ronda e de piquete, se não me engano, pois o de dia era para oficiais do quadro ou, pelo menos, mais velhos).

Quem era das redondezas, quanto muito do Porto, estava, como se costuma dizer, em casa, agora chegar a Lisboa, UPA, UPA.

Nenhum de nós, vindos do Sul, tinha automóvel (mais tarde apareceu o Cap. Moreira; talvez conte as peripécias duma viagem a Lisboa e a entrada triunfal em Lamego).

Assim sendo, a maneira mais usual, pelo menos para mim, de chegar à capital e ao aconchego do lar que nos viu partir, era apanhar o transporte na empresa rodoviária da altura, de que não me lembro o nome (a RENEX daquele tempo), que saía de Chaves pela hora do almoço de sexta-feira, com terminal em Vila Real. Aí tínhamos de esperar um par de horas pela ligação ao Porto. A viagem ia pelo Marão que, se o tempo e o trânsito estivessem de feição, nos permitia chegar a Campanhã a tempo de apanhar o comboio especial reservado aos militares, com bilhetes muito mais baratos. Este partia, se não me engano, às dezanove horas, com chegada a Lisboa pela meia-noite. Quando a carreira se atrasava e o perdíamos, tínhamos de esperar pelo comboio-correio que saía de Campanhã à meia-noite e chegava a Santa Apolónia pelas oito da manhã.

Lembro-me de ter testado este último com o Rui Neves.

Como a noite era longa, tratámos de alugar beliches numa carruagem cama. Sorteámos, o de cima ou o de baixo, para ver onde cada um se ia deitar.

Depois de estendido, por mais que me esforçasse, ainda por cima o Rui ressonava que nem um porco, salvo seja, não conseguia conciliar o sono. Quando já estava meio a dormir meio acordado batem à porta. Era o revisor a verificar os bilhetes… Porra que, depois disto, então é que não consegui dormir mesmo.

O busílis da questão era sair do quartel a tempo de apanhar o autocarro para Vila Real, pois a dispensa era na sexta-feira ao toque de ordem e nós tínhamos de apanhar o autocarro muito antes, logo a seguir ao almoço, mas isso fica para a próxima.

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