DIFICULDADES DE QUEM ERA MOURO
Escrevi, na minha última croniqueta, que os habitantes de Chaves ficavam sempre de pé atrás com estranhos, talvez devido à rotina do contrabando.
Também nós calcorreámos os trilhos e caminhos que os contrabandistas usavam para transportar os seus enormes fardos.
Surpresa? Só para quem não viveu aquela época e não nos conhecesse, mas isso fica para outra memória.
No B. Caç. 10 não havia fins-de-semana prolongados, ou seja, a instrução começava bem cedo à segunda-feira e ia até sábado ao meio-dia.
Havia uma tolerância, semana sim, semana não, para que cada um de nós pudesse sair à sexta-feira após o toque de ordem, mas tinha que se deixar o serviço assegurado, quer para a instrução da manhã de sábado, quer para as escalas de serviço (oficial de prevenção, de ronda e de piquete, se não me engano, pois o de dia era para oficiais do quadro ou, pelo menos, mais velhos).
Quem era das redondezas, quanto muito do Porto, estava, como se costuma dizer, em casa, agora chegar a Lisboa, UPA, UPA.
Nenhum de nós, vindos do Sul, tinha automóvel (mais tarde apareceu o Cap. Moreira; talvez conte as peripécias duma viagem a Lisboa e a entrada triunfal em Lamego).
Assim sendo, a maneira mais usual, pelo menos para mim, de chegar à capital e ao aconchego do lar que nos viu partir, era apanhar o transporte na empresa rodoviária da altura, de que não me lembro o nome (a RENEX daquele tempo), que saía de Chaves pela hora do almoço de sexta-feira, com terminal em Vila Real. Aí tínhamos de esperar um par de horas pela ligação ao Porto. A viagem ia pelo Marão que, se o tempo e o trânsito estivessem de feição, nos permitia chegar a Campanhã a tempo de apanhar o comboio especial reservado aos militares, com bilhetes muito mais baratos. Este partia, se não me engano, às dezanove horas, com chegada a Lisboa pela meia-noite. Quando a carreira se atrasava e o perdíamos, tínhamos de esperar pelo comboio-correio que saía de Campanhã à meia-noite e chegava a Santa Apolónia pelas oito da manhã.
Lembro-me de ter testado este último com o Rui Neves.
Como a noite era longa, tratámos de alugar beliches numa carruagem cama. Sorteámos, o de cima ou o de baixo, para ver onde cada um se ia deitar.
Depois de estendido, por mais que me esforçasse, ainda por cima o Rui ressonava que nem um porco, salvo seja, não conseguia conciliar o sono. Quando já estava meio a dormir meio acordado batem à porta. Era o revisor a verificar os bilhetes… Porra que, depois disto, então é que não consegui dormir mesmo.
O busílis da questão era sair do quartel a tempo de apanhar o autocarro para Vila Real, pois a dispensa era na sexta-feira ao toque de ordem e nós tínhamos de apanhar o autocarro muito antes, logo a seguir ao almoço, mas isso fica para a próxima.
Feliz Natal a todos.
Há 11 meses
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