PERIPÉCIAS EM CHAVES – 2
Nas rotas do contrabando, há algumas histórias para recordar.
Aqui vai a segunda.
Normalmente, passávamos as horas mortas na pastelaria “Aurora”, situada no centro da cidade e centro mundano por excelência.
Toda a “finesse” do burgo e arredores lá se encontrava, ao meio da tarde, para tomar chá. Os cavalheiros, de fato e gravata, as madames de vestido de pompa e circunstância (há uma história minha com o Albuquerque Dias que só conto em Off).
O nosso pensamento, naquelas horas, vagueava entre, ou ficarmos em Chaves, ou então termos possibilidades de uma escapadela até Espanha, que era o fruto proibido.
Não que fossemos maltratados ou nos sentíssemos martirizados por lá estarmos, mas por que, do outro lado da fronteira vivia um povo, digamos, mais livre, mais mundano, mais cosmopolita, mais que não seja por não ter que se bater com o espectro de uma guerra que, pelo menos para mim, não fazia sentido.
Sentíamos Verin e Orense ali a meia dúzia de quilómetros, mas…
O “Sarraquinhos” tinha uma “pedra no sapato”.
Como descrevi, em croniqueta anterior, o seu grande receio, pavor, cagaço, pânico, etc., consistia no facto de todos nós sermos potenciais candidatos a dar o salto, a fim de fugirmos à Guerra Colonial, através da fronteira de Chaves.
Posso dizer que não era despropositado o seu dilema, pois, que me lembre, deram o salto um Tenente do Batalhão que nos antecedeu e um Aspirante do Batalhão que nos sucedeu, por acaso meu adjunto, o que me causou algumas idas ao Comando para prestar declarações e … por aqui me fico.
Resolvemos, numa das vezes, ir até Orense.
Lá fomos. O estratagema era sempre o mesmo. Boleia até perto da fronteira, salto até Feces de Abaixo, depois, como naquele dia quem nos levou só ia até Verin, resolvemos ir dali até Orense de camioneta, pois, no regresso, logo haveria quem nos trouxesse de volta até Chaves.
Quando demos por nós, naquela cidade, já a noite tinha chegado há muito e o transporte para o regresso, só no dia seguinte.
Tratámos de ir à procura onde dormir, desde, acompanhados por uma qualquer marafona, ou então, ficar num quarto, numa hospedaria da cidade.
Éramos três e batemos à porta de um “hostal”. Atendeu-nos uma tipa, com voz de bagaço que, sem abrir a porta, nos perguntou o que queríamos. Dormir, como é óbvio. Então passem por baixo da porta uma identificação e a “massa”.
Aqui é que residiu o busílis da questão. A “massa” era o menos, embora não abundasse. O que é certo é que estávamos ilegais em Espanha, éramos militares desenfiados, e, etc., etc. e tal.
Acabei por ser eu a dar o meu cartão de identidade. O militar, pois o civil, nem pensar.
O quarto tinha uma cama de casal e um divã. Sorteámos qual o “casal” que dormiria junto e quem era o privilegiado que ficaria no divã. Felizmente tudo correu bem e, no dia seguinte, a “madame”, devolveu-nos o cartão militar de identidade, com a recomendação de que, quando tivéssemos que ficar em Orense a procurássemos.
Até hoje…
Feliz Natal a todos.
Há 11 meses
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